Combate a crimes sexuais

Combate a crimes sexuais

Combate a crimes sexuais

Em 2015, as Nações Unidas (ONU) partiram para uma abordagem de conscientização e enfrentamento de uma triste realidade que atinge sobreviventes em zonas de guerra, a violência sexual, que muitas vezes é praticada contra mulheres e meninas, mas que também afeta homens e meninos. A data escolhida para o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Sexual em Conflito foi 19 de junho.

No que compete à Assembleia Legislativa do Estado Goiás, não há histórico de atuação sobre questões pertinentes a conflitos armados até mesmo porque o Brasil raramente esteve envolvido em confrontos com outras nações ou foi palco de insurgências. Entretanto, a Casa de Leis tem contribuído para coibir a violência sexual que atinge principalmente as mulheres e menores em nosso tempo, através de proposituras que se converteram em lei ou que atualmente estão sob análise.

De volta ao cenário internacional, o secretário-geral da ONU, António Guterres, conclamou os países a implementar ações para conter esses crimes quando da campanha idealizada para a data em 2020. Ele apontou que o caminho é colocar os sobreviventes no centro da reposta, responsabilizando os autores e expandindo o apoio a todos os afetados.

Guterres avalia que os sobreviventes de crimes sexuais enfrentam desafios ainda maiores no meio da pandemia de covid-19 porque “denunciar essas ocorrências pode ser difícil, abrigos e clínicas podem estar fechado”.

Na mensagem aos países-membros, secretário-geral afirma que as Nações Unidas querem acabar com a violência sexual em conflito na próxima década como parte da meta de “eliminar todas as formas de violência de gênero”. Para a organização, essa é uma ameaça à “segurança coletiva, uma violação do Direito Internacional e um flagelo na consciência da humanidade”.

Uma das 14 agências com esforços pelo fim da violência sexual em conflito armado é o Fundo das Nações Unidas para a População (Unfpa). A agência apoia sistemas de referência para melhorar o acesso dos sobreviventes a serviços como saúde, apoio psicossocial, segurança, proteção, justiça, assistência jurídica e ajuda socioeconômica.

Em abril de 2019, o Conselho de Segurança adotou a Resolução 2.467 que exorta os estados-membros da ONU a se comprometerem com o fim de todas as formas de violência sexual em conflito com foco no sobrevivente.

Violência de gênero

Refere-se a qualquer tipo de agressão física, psicológica, sexual ou simbólica contra alguém em situação de vulnerabilidade devido a sua identidade de gênero ou orientação sexual. Conforme estimativa publicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2017, uma em cada três mulheres em todo o mundo, especificamente 35%, já foram vítimas de violência física ou sexual durante a sua vida. A constatação mais lógica é que a maioria das vítimas é do sexo feminino, contudo, é preciso chamar a atenção para as agressões sofridas também por homens e minorias sexuais e de gênero.

Com o intuito de aprofundar no tema, a Agência Alego de Notícias ouviu a psicóloga Cida Alves, que é doutora em educação e acompanha pessoas em situação de violência, há 24 anos, na Secretaria Municipal de Saúde da Capital.

“Infelizmente, além da população em geral sofrer com os conflitos armados e grandes crises humanitárias, nós temos uma realidade que afeta mais ainda as mulheres e as meninas que é violência sexual nesse contexto tão dramático”, observa. Assim como foi delimitado pela ONU, ela considera que o Brasil vive uma crise humanitária provocada pela pandemia do novo coronavírus, responsável por aproximadamente meio milhão de mortos.

Cida Alves avalia que a crise pandêmica tem feito a violência sexual e conflitos domésticos em geral aumentar no Brasil.  “É importante nós termos um olhar atento e proteger todas as vítimas, pois perdemos os principais canais de proteção como a escola, principalmente, para crianças e adolescentes. Mas não podemos abandonar as vítimas, precisamos desenvolver formas de protege-las”.

De acordo com a especialista, a violência sexual traz um efeito de sofrimento semelhante a um enfrentamento de guerra e que costuma deixar marcas mais profundas quando há demora na busca das delegacias especializadas no atendimento à mulher e no suporte psicológico à vítima. “Precisamos agir rápido, acreditando nas vítimas, interditando as violências e responsabilizando os autores”.

A psicóloga ainda orienta as pessoas que testemunham ou têm conhecimento de crimes sexuais a procurar o Serviço de Denúncia de Violações aos Direitos Humanos (Disque 100) e, em caso específico de violência doméstica, a Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180). “Não permita que uma vítima sofra sozinha, todos nós somos responsáveis por essa realidade tão brutal e precisamos cuidar de todos os sobreviventes, de todas as vítimas”, reforça.

Contribuição legislativa

A legislação mais célebre já idealizada para coibir todo tipo de violência doméstica contra mulheres foi a Lei nº 11.340/2006 em homenagem Maria da Penha, a farmacêutica cearense que foi agredida pelo esposo por seis anos até ficar paraplégica. Desde seu advento, há 15 anos, a Lei Maria da Penha vem sendo usada como garantia legal para projetos de lei que vêm tramitando na Alego com o intuito de estabelecer medidas protetivas para mulheres que sofrem abusos sexuais, agressões físicas e psicológicas no ambiente familiar.

O exemplo mais recente de propositura que teve o sinal verde da Casa de Leis, em segunda votação, e que aguarda a sanção do governador Ronaldo Caiado (DEM), foi o projeto nº 750/2019, de autoria conjunta das deputadas Delegada Adriana Accorsi (PT) e Lêda Borges (PSDB). O projeto versa sobre a obrigatoriedade, em Goiás, da divulgação da Central de Atendimento à Mulher (Disque 180) e do Serviço de Denúncia de Violações aos Direitos Humanos (Disque 100) nos estabelecimentos de acesso ao público como hotéis, pousadas, bares e restaurantes, além de estações de transporte de massa, eventos e shows, salões de beleza, mercados, feiras, shoppings e etc.

A Central de Atendimento à Mulher, conhecida como "Disque 180", foi criada pela Lei n° 10.714, de 13 de agosto de 2003, e está em operação há cerca de onze anos. Durante esse período, já foram recebidas mais de 6 milhões de denúncias. Em relação ao "Disque 100", esse é um serviço com a finalidade de receber demandas relativas a violações de Direitos Humanos, especialmente as relacionadas com crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, LGBT, pessoas em situação de rua e outros, como quilombolas, ciganos, índios, pessoas em privação de liberdade entre outros.

Para as parlamentares, apesar do grande número de denúncias, o Disque 180 e o Disque 100 ainda não são números amplamente conhecidos e disseminados na sociedade. "Isso fica claro quando se compara, por exemplo, a quantidade de denúncias de violência contra mulher recebidas face aos casos de violência registrados - hoje na casa de cinco a cada dois minutos, em âmbito nacional. Desses, apenas 4% resultam em uma denúncia - algo que pode estar relacionado à pouca informação sobre as características dos serviços de denúncia por telefone", argumentam na justificativa. 

A deputada Lêda Borges também apresentou outra medida protetiva para as mulheres que ainda aguarda as duas votações pelo Plenário. Trata-se do processo 3984/2019, que dispõe dobre a penalização à veiculação de publicidade ou propaganda misógina, sexista ou estimuladora de agressão e violência sexual contra a mulher em Goiás. Como seu parecer favorável foi acolhido pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação, a matéria tem grandes chances de ser aprovada pela Assembleia em definitivo e seguir para a sanção do Chefe do Poder Executivo.

De acordo com a redação da proposta, toda empresa, em território goiano, que contratar ou veicular publicidade de caráter misógino, sexista ou que estimule a violência contra a mulher por qualquer meio, dentre os quais outdoor, folhetos, cartaz, rádio, televisão ou redes sociais, será penalizada com multa, nos termos do artigo 57 da Lei federal nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), sem prejuízo de outras penalidades previstas na legislação.

Já o deputado Jeferson Rodrigues (Republicanos) também aguarda a deliberação na Ordem do Dia de dois projetos de lei de sua autoria que visam garantir atendimento especial a mulheres, crianças e adolescentes pelas instituições responsáveis por perícias e exames de constatação de violência sexual no Estado de Goiás.

O primeiro é o processo 5120/2019, que obriga essas instituições, inclusive os Institutos Médicos Legais do Estado de Goiás, a adotarem medidas para o atendimento reservado e diferenciado para as mulheres vítimas de agressão, abuso e violência sexual. “O Poder Público deve estar atento às fragilidades e peculiaridades deste atendimento, pois somente desta forma será viável minimizar a dor enfrentada pelas vítimas”, justifica o autor da propositura.

Outra providência consonante é pleiteada pelo parlamentar para contemplar menores de idade dentro do processo nº 3453/2019. De acordo com ele, o objetivo é garantir o cumprimento previsto na Constituição dos preceitos que determinam a proteção a crianças e às adolescentes, considerando suas características típicas de ser humano em fase de desenvolvimento mental, moral, espiritual e social.

De modo geral, Jefferson Rodrigues pondera que a violência de gênero é uma das manifestações mais cruéis e persistentes. “Diz-se persistente porque a violência atravessa a história e sobrevive. Por um lado, na dimensão de uma pandemia, atingindo mulheres, adolescentes e crianças, em todos os espaços sociais, sobretudo no doméstico; por outro, na forma de violência simbólica e moral, aterrorizando, em especial, o imaginário das mulheres, tanto produzindo vulnerabilidades quanto promovendo uma sensação de constante insegurança, contribuindo para a perpetuação de uma cultura violenta e patriarcal”.

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