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Mulheres na política

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Nesta quinta-feira, 24 de fevereiro, é dia de comemorar a conquista do voto feminino no Brasil. Foi nesta data, há exatos 90 anos, que as mulheres brasileiras tiveram reconhecido o seu direito de participar mais ativamente da democracia, não apenas como eleitoras, mas também como candidatas e legítimas representantes do povo. A celebração foi instituída em 2015, com a promulgação da Lei federal nº 13.086.

Foi o Código Eleitoral de 1932 que assegurou o voto feminino e a entrada das mulheres na vida política brasileira. Dois anos mais tarde, a Constituição Federal de 1934 ratificou essa conquista. O feito marcou um importante passo para o alcance do sufrágio universal no país, que só viria a se concretizar, definitivamente, com a inclusão dos eleitores analfabetos na Carta Magna de 1988. 

A vitória do sufrágio feminino encerrou uma demanda de décadas. Segundo matéria sobre o tema divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o pleito havia sido formalizado, pela primeira vez, em 1891, numa proposta de emenda à Constituição brasileira, que foi rejeitada, na ocasião.

Segundo a advogada eleitoralista Nara Bueno, a conquista do voto feminino significou um grande passo para o aprofundamento da democracia representativa no país. Inclusive, porque reconheceu a importância de uma parcela da população que é demograficamente majoritária no Brasil. 

Nara Bueno é autora do livro “Pequeno Manual das Mulheres no Poder”, que  aborda diferentes aspectos da representatividade feminina, sobretudo os relacionados à esfera política. Nele, a advogada orienta, tanto candidatas novatas como experientes, a melhor transitar pelo universo da política e do direito eleitoral. 

Ao falar sobre o livro, Nara enfatiza a importância de se ter uma direcionamento eleitoral devidamente especializado e personalizado e dá dicas de candidatura para as eleições que se aproximam. “É importante que as candidatas conheçam as regras de propaganda, não tenham vergonha de difundir suas ideias, apliquem com sabedoria seus recursos e, principalmente, formem redes políticas reais e virtuais de apoio”, orienta.

Outra preocupação que deve estar no radar nas próximas eleições é o combate às candidaturas fraudulentas. Bueno aponta três saídas para a resolução desse dilema, que está relacionado sobretudo às chamadas “candidaturas laranjas”. A fraude, que distorceu políticas afirmativas vigentes, como as implicadas nas leis de cotas eleitorais, acabou manchando e minando a eleição de muitas candidatas nos últimos pleitos.  

A conscientização do eleitorado, com investimentos em educação política, somada ao combate às notícias falsas (fake news) e o aumento de fiscalização a respeito dos recursos destinados às campanhas das candidatas são algumas das saídas apontadas. Mas, para a advogada, a principal delas envolve, sobretudo, a reserva de assentos nos parlamentos. 

“Essa última medida, inclusive, consiste em uma solução honesta e definitiva, que evita a adoção de paliativos. Além disso, possibilitaria o aprofundamento da democracia semi-representativa, incluindo o Brasil no rol de democracias paritárias, como são os países com maiores índices de IDH e também os considerados como mais evoluídos democraticamente, no mundo”, defende Nara Bueno.

A medida destacada pela advogada já é alvo de discussão no Senado. O projeto de lei 763/2021, de autoria do senador Wellington Fagundes (PL-MT), determina a garantia de, ao menos, 30% das cadeiras de deputados federal, estadual, distrital e vereador para as mulheres. Também propõe igualmente a reserva de uma vaga exclusiva para candidaturas femininas, quando houver renovação de dois terços no Senado.

A proposta aguarda agora as votações no plenário. As atuais legislaturas na Câmara e no Senado contam, respectivamente, somente com 14,6% e 13,6% de representação feminina.

Maioria minorizada

Desde 2008, as brasileiras são maioria num universo eleitoral que já chega a quase 150 milhões de eleitores. Segundo estatísticas do TSE, o porcentual de mulheres votantes cresce a cada ano e soma atualmente um contingente próximo a 78 milhões de pessoas, o que representa 52,87% do total do país.

Mas a vitória do voto feminino passou longe de representar uma igualdade mais efetiva entre homens e mulheres na política brasileira. Nara Bueno afirma que as dificuldades ainda hoje enfrentadas para o alcance da paridade de gênero sofre os reflexos históricos de uma exclusão que perdurou por quatro séculos e teve início nos primórdios da colonização portuguesa.

Em uma série de artigos publicados na internet, a advogada afirma que “de 1532 à legislação eleitoral de 1932, foram 400 anos em que o voto era exercido como direito político por alguns em todo o país e nunca pelas mulheres”. 

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Para Nara Bueno, esses reflexos são profundos e se sobrepõem em camadas, todas apontadas como consequência do desrespeito aos direitos humanos. Num aspecto geral, há o comprometimento do que ela chama de “densidade da democracia brasileira”. “Outros países com mais mulheres nos espaços políticos, possuem democracias mais sedimentadas”, nota a advogada. 

Por outro lado, em aspectos práticos, ela observa que a baixa representatividade feminina na política acaba legitimando tratamentos violentos e criminosos contra as mulheres que enveredam por esse caminho. “Essa ojeriza às mulheres na política acaba se materializando na ausência de políticas públicas voltadas especificamente para a saúde e educação, como, por exemplo, atendimento psicológico no puerpério e creche para as crianças”, acrescenta.

Ao se analisar esse controverso cenário, uma pergunta continua pairando no ar: por que mesmo com um eleitorado majoritariamente feminino e com candidaturas ascendentes de mulheres, ainda continuamos a eleger majoritariamente homens? 

Para responder essa pergunta A especialista lança mão de um conceito cunhado pela professora universitária e expoente do feminismo negro em Goiás, Luciana de Oliveira Dias.

“Mulheres raízes”

Nara traz esse conceito para ressaltar o protagonismo social das mulheres que permanece, em grande medida, invisibilizado no Brasil atual. Segundo ela, esse “apagamento histórico das mulheres”, com a consequente naturalização das figuras dos chamados “pais fundadores”, seria um dos principais pilares para se entender a baixa condição de representatividade feminina que ainda hoje se vê na vida política do país.

“Essa cultura de alijamento e apagamento de mulheres reflete diretamente na seara política e de como o imaginário do eleitorado vai construindo a percepção das mulheres ao longo do tempo. No geral, mulheres foram — e infelizmente ainda estão sendo  — reduzidas a adjetivos que não fazem jus às nossas plenas capacidades”, alerta a advogada.

Por fim, Nara Bueno destaca dois fenômenos recentes que têm lhe despertado certa esperança nesse contexto. O primeiro trata da crescente conscientização das mulheres acerca da importância de serem candidatas. O segundo, sobre a mudança de percepção do próprio eleitorado, que vem enxergando, cada vez mais, o quanto a eleição de mulheres traz benefícios para a população como um todo e não apenas para o público feminino. “Acredito que a combinação de ambos resultará no aumento da representação de mulheres no poder”, vaticina.

Enquanto isso, aproveitamos a data para dar um pouco mais de visibilidade a algumas das tantas “mulheres raízes” da política de nossa história. Isso porque, como bem lembra Nara Bueno, “esse acesso à política pelas mulheres só foi possível pelo sacrifício daquelas que lutaram por décadas, reivindicando nossos direitos políticos”. 

Dentre essas, a advogada cita a sufragista Leolinda Daltro, professora e indigenista que foi responsável pela fundação, em 1910, do primeiro partido feminista do Brasil – o Partido Republicano Feminino. E também Almerinda Gama, advogada e sindicalista, que se destaca como a primeira mulher negra na política brasileira, tendo atuado como delegada classista na Assembléia Constituinte de 1933. 

Nara ainda lembra outros muitos nomes, como Carlota de Queirós, Gilka Machado, Alzira Soriano, Nísia Floresta, Bertha Lutz e Antonieta de Barros. Vejamos, a seguir, um pouco da contribuição legada por cada uma delas.

Pioneiras

As mulheres do Rio Grande do Norte foram as grandes pioneiras na conquista do sufrágio feminino, no Brasil. Antecipando até mesmo o marco nacional, em 1927, o estado colocava em vigor uma lei que extinguia a distinção de sexo para o exercício do voto. 

A primeira a se alistar foi Celina Guimarães, no município de Mossoró. A professora potiguar ficou reconhecida mundialmente não apenas como a primeira eleitora brasileira, mas também como a primeira mulher a gozar do direito ao voto na América Latina.  

Também foi o Rio Grande do Norte o primeiro estado a eleger uma mulher no país. Após conquistar mais de 60% dos votos, Alzira Soriano tomou posse como prefeita do município de Lajes, em 1º de janeiro de 1929. O feito se tornou igualmente um marco em toda a América Latina.  

Antes delas, o nome de Nísia Floresta já ecoava na região, quando esta era ainda conhecida como Capitania da Paraíba. Defensora dos direitos abolicionistas e republicanos, a educadora, escritora e poetisa potiguar ficou reconhecida como pioneira no feminismo brasileiro. Suas obras e ensinos estiveram majoritarimente dedicados à emancipação social da mulher e também de negros escravizados e indígenas.  

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Já Gilka Machado, que se destacou como uma das primeiras mulheres a escrever poesia erótica no Brasil, também esteve ao lado de Leolinda Daltro, na fundação do Partido Republicano Feminino, em 1910. “Ser mulher, desejar outra alma pura e alada, para poder, com ela, o infinito transpor; sentir a vida triste, insípida, isolada, buscar um companheiro e encontrar um Senhor…”. O lamento compõe um dos mais célebres escritos da poetisa sobre a subjetividade feminina de sua época.  

No Congresso, a primeira deputada federal foi Carlota de Queirós. Eleita pelo estado de São Paulo, a médica, escritora e pedagoga foi, junto com Almerinda Gama, uma das duas únicas vozes femininas na Assembléia Constituinte de 1933. Defensora dos direitos das mulheres e das crianças, a parlamentar exerceu seu mandato até 1937, quando Getúlio Vargas fechou o Legislativo de todo o país, deflagrando o golpe que daria início à ditadura do Estado Novo. 

Antonieta de Barros se destaca como deputada estadual em Santa Catarina, nesse mesmo período. A jornalista e professora é reconhecida como a primeira mulher negra a exercer um mandato popular no Brasil. 

Como constituinte, em 1935, Antonieta foi a principal idealizadora dos capítulos referentes à Educação, à Cultura e ao Funcionalismo da Constituição catarinense. Em 1937, ela presidiu uma sessão legislativa e se tornou a primeira mulher a assumir a presidência de uma Assembleia no país. Seu mandato também termina com o início do Estado Novo.

Por fim, a segunda mulher a ocupar o cargo de deputada federal, na condição de suplente, em 1936, foi Bertha Lutz. A bióloga e educadora, uma das mais notórias expoentes do feminismo no Brasil, também teve seu mandato interrompido pelo golpe de estado de 1937. 

Bertha se destacou internacionalmente ao defender a inclusão dos direitos femininos na Organização das Nações Unidas (ONU). A líder feminista foi a principal fundadora da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, uma organização fundada em 1922, no Rio de Janeiro, e que atuava em prol dos direitos civis e políticos das mulheres.

Em Goiás, a primeira deputada estadual foi Berenice Artiaga,  em 1951, e a primeira prefeita eleita foi Leonaldina Aires de Moraes, em São Sebastião do Tocantins, em 1964. Já a conquista de uma cadeira no Congresso Nacional veio apenas em 1986, com Lúcia Vânia ocupando uma vaga de deputada constituinte. 

Movimento sufragista

O movimento protagonizado pelas primeiras feministas ficou internacionalmente conhecido pela denominação de sufragista. Ele ganhou ampla notoriedade a partir do início do século XX, tendo sido dinamizado, sobretudo, pela expressiva militância de ativistas na Inglaterra e nos EUA. A conquista do voto feminino em ambos os países, que se deu, respectivamente, em 1918 e 1920, impulsionou levantes similares em outras partes do globo. 

Vale lembrar que a Nova Zelândia já havia antecipado, anos antes, essa conquista, sendo reconhecida, hoje, como a primeira nação a ter concedido o direito de voto às mulheres. Isso ocorreu em 1893, quando o país ainda era colônia inglesa (a ilha só se tornaria independente em 1907). A feminista inglesa Kate Sheppard foi a principal protagonista desse movimento. 

Embora o Brasil não esteja entre os pioneiros na conquista do sufrágio feminino, ele saiu na frente de importantes países europeus, incluindo a própria França. Ainda que seja considerada o berço dos ideais democráticos que influenciaram os movimentos sufragistas ao redor do mundo, o voto feminino na República Francesa só se tornou realidade em 1944. 

Outro que comemorou essa vitória pouco tempo depois foi a Suíça. A nação, referência em economia e qualidade de vida, só aprovou o voto para mulheres em 1971. 

É possível dizer hoje que luta das mulheres pela conquista do voto, no mundo, tenha terminado em 2011, com a Arábia Saudita sendo o último país a reconhecer o sufrágio feminino. Ainda assim, como se pode notar, a equidade e paridade de gênero na política continua sendo um grande desafio para muitas democracias ao redor do globo, incluindo o próprio Brasil. 

Para que a previsão da escritora e advogada Nara Bueno possa ser confirmada nas urnas e as mulheres alcancem, de fato, uma melhor representatividade nas eleições de outubro. Até lá, a luta continua!

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