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Fumar é brega!

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Até meados do século XX, nuvens de fumaça do tabaco eram frequentes em reuniões de trabalho e ambientes fechados como restaurantes, cinemas e até mesmo em aviões. Inclusive, era muito comum que ícones do cinema, da literatura, da política e personalidades em geral dessem entrevistas fumando. Havia, até então, uma ideia generalizada (e errada) de que o cigarro transmitia à imagem de seus portadores um ar imponente, de autoridade, poder e sedução. 

Com o passar dos anos, porém, os males provocados pelo vício em tabaco se sobrepuseram no imaginário popular. Resultado de uma legislação mais dura, que impôs alta tributação e restrições à publicidade e ao uso de cigarros em locais públicos, a indústria do tabaco perdeu parte significativa de seu glamour. Consequentemente, ainda nas últimas décadas do século XX, as novas gerações experimentaram progressiva queda no número de fumantes. Resumindo: fumar é brega e danoso à saúde!

Cenário atual

Ainda assim, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente o número de fumantes em todo o mundo é superior a 1 bilhão. Também segundo dados da OMS, todos os anos o cigarro mata mais de 7 milhões de fumantes e cerca de 1,2 milhão de fumantes passivos, que são aqueles que, apesar de não fumarem, estão frequentemente expostos à fumaça do cigarro. A OMS estima que o custo do tabaco para a economia global seja próximo a US$ 2 trilhões por ano, o que corresponde a aproximadamente 2% do Produto Interno Bruto (PIB) global. 

Em publicação oficial, o Instituto Nacional de Câncer (Inca), do Ministério da Saúde, afirma que “o tabagismo integra o grupo de transtornos mentais e comportamentais em razão do uso de substância psicoativa e é considerado a maior causa evitável isolada de adoecimento e mortes precoces em todo o mundo”. 

De acordo com um estudo, publicado em 2020 por pesquisadores do Inca, o tabagismo causa 157 mil mortes ao ano no Brasil, o que corresponde a 12,6% do total das mortes anuais no País, sendo 21,4% de todas as mortes por câncer, 74% das mortes por doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), 18% das mortes por doenças coronarianas (angina e infarto) e 13% das mortes por doenças cerebrovasculares (acidente vascular  cerebral  –  AVC). 

Os números alarmantes têm feito com que governos e entidades da sociedade civil se organizem em prol de campanhas antitabaco. O dia 31 de maio é um desses marcos. Criado pela OMS em 1987, o Dia Mundial sem Tabaco é celebrado nesta data para alertar sobre as doenças e mortes evitáveis relacionadas ao tabagismo. No Brasil, o Inca é o responsável pela divulgação e elaboração do material técnico para subsidiar as comemorações em níveis federal, estadual e municipal.

A Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) é uma organização não governamental que defende a promoção de políticas de saúde pública voltadas ao controle do uso do tabaco e outros vícios. Entre as estratégias da OnG, que desde 2006 trabalha em prol da pauta antitabagista, estão as campanhas de conscientização e a realização de pesquisas científicas. 

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A organização publicou uma comparação entre os gastos públicos decorrentes do tabagismo e o auxílio emergencial, que socorreu milhões de brasileiros durante o primeiro ano da pandemia de covid-19. Segundo o levantamento da ACT, só em 2020, o impacto do tabagismo custou o equivalente a 20% do auxílio emergencial naquele ano. “Os custos com a indústria do tabaco, em 2020, equivalem a seis meses de auxílio emergencial de R$ 600,00 para 16 milhões de brasileiros”, detalha a publicação.

Ainda, conforme esse levantamento, o País gasta com os efeitos do tabaco cerca de quatro vezes mais do que arrecada com essa indústria. Enquanto os impostos provenientes da venda de cigarros giraram em torno de R$ 13 bilhões no ano, a conta do cigarro inclui gastos de R$ 57 bilhões com doenças, perda de  produtividade e mortes prematuras. 

No artigo “Interferência da Indústria do Tabaco no Brasil: a Necessidade do Ajuste de Contas”, quatro pesquisadores do Inca (André Szklo, Felipe Mendes, Tânia Cavalcante e João Viegas) apontam o aumento de jovens adultos fumantes no Brasil e uma interrupção na queda na série histórica do tabagismo. Os pesquisadores atribuem parte desses resultados às ações de marketing da indústria tabagista, em que pesem as proibições vigentes. 

O estudo denuncia que, no Brasil, são frequentemente identificadas ações de publicidade irregular, que incluem patrocínios por parte da indústria do tabaco em eventos musicais e, por meio das redes sociais. “É fundamental que seja avaliada a ocorrência dessas ilegalidades e  que seja mensurada a real dimensão do impacto negativo de ações de marketing ilegais”, propõem os pesquisadores.

Os estudiosos, também, detectaram que os mais jovens são alvos prioritários dessas ações. “Testar os limites do Estado de fiscalizar  propaganda irregular faz parte das estratégias da indústria do tabaco para estimular, a qualquer custo, não somente a manutenção do consumo de produtos de tabaco por tabagistas adultos, mas, principalmente, para incentivar a iniciação de jovens e crianças no tabagismo”, conclui o artigo. 

O vício

O psicólogo Luís Miguel Real atende fumantes que buscam deixar o vício. Ele explica que, além da adicção química, o cigarro também assume um importante papel na psique dos fumantes. O profissional afirma que, até mesmo para fumantes ocasionais, o cigarro é usado como uma ferramenta de regulação emocional, seja para driblar momentos ruins ou comemorar fatos positivos. 

“Muita gente me conta que só de pensar em deixar de fumar eles sentem vertigem e profunda angústia. O vício no tabaco é aprendido. Usamos o cigarro para preencher os vazios do dia e para marcar o início e o fim dos momentos”, ressalta o psicólogo. Ele alerta que a maioria fuma “em piloto automático”, ou seja, sem reconhecer seus padrões de consumo e motivações. 

Luís considera que tentar abandonar abruptamente o vício é um equívoco, pois, pelo impacto emocional, geralmente deixar de fumar envolve uma preparação mental mais complexa. Ele lista algumas atitudes que podem favorecer aqueles que pretendem se tornar ex-fumantes:

  • Observe seus hábitos e compreenda quais são seus gatilhos, as emoções que te fazem ter vontade de fumar;
  • Aprenda a lidar com essas situações de maneira diferente, sem depender do tabaco;
  • Trace um plano para deixar de fumar. O melhor é reduzir paulatinamente para se acostumar. 
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Ações legislativas

O oncologista Gabriel Santiago alerta que o consumo de nicotina entre os jovens têm crescido em novos formatos, que podem ser até mais nocivos que o cigarro tradicional, como o narguilé, o cigarro eletrônico e o cigarro de palha. Segundo o médico, uma hora de uso de narguilé corresponde ao consumo de 100 cigarros. “Numa festa, por exemplo, ninguém fuma uma centena de cigarros, mas as pessoas usam mais de uma hora de narguilé”, compara. Quanto ao cigarro de palha, Gabriel ressalta que a falta de filtro faz com que o fumante absorva 100% da nicotina e do alcatrão. 

Já os cigarros eletrônicos, ou vapers, mesmo não contendo tabaco em sua composição, vaporizam um líquido com grande quantidade de nicotina, o que faz com que também sejam muito prejudiciais à saúde. O consumo desses dispositivos mobiliza parlamentares da Assembleia Legislativa de Goiás. É o caso do projeto de lei nº 5573/19, apresentado pelo deputado Paulo Trabalho (PL), que prevê a instituição da política de prevenção e conscientização ao uso de cigarros eletrônicos. 

O parlamentar cita um estudo feito pelo pesquisador David Thickett, do Instituto de Inflamações e Envelhecimento da Universidade de Birmingham, para verificar as consequências da exposição das células do corpo humano ao líquido presente nos “vapers” e ao vapor por eles produzidos.

“Os resultados mostraram que o vapor condensado foi muito mais danoso às células que o líquido, notando também um aumento na produção de substâncias inflamatórias. A longo prazo, esse vapor pode deixar o sistema respiratório bem mais frágil e suscetível a doenças sérias”, justifica. 

Também nesse sentido,  o projeto nº 5402/19 vem do deputado Rafael Gouveia (Republicanos). O objetivo da matéria é proibir o uso, a comercialização, importação, produção e propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, especialmente os que aleguem substituição de cigarro, cigarrilha, charuto, cachimbo e similares no hábito de fumar. 

No projeto, Gouveia destaca que a proposta se deve à insegurança ocasionada pela disseminação dos cigarros eletrônicos na sociedade, mesmo estando proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). E justifica: “Embora aparentem ser inócuos, já que o vapor que expelem não é tão malcheiroso e incômodo como o do cigarro de combustão, os dispositivos eletrônicos para fumar emitem diversas substâncias tóxicas e cancerígenas que podem configurar risco, até mesmo, àqueles que, passivamente, são expostos a essas emanações. A proibição conta com o apoio da Associação Médica Brasileira (AMB), que destaca, também, o poder do produto para atrair usuários jovens, instigando o hábito de fumar”, aponta o projeto. 

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