Política
Saúde mental em foco
Não é de hoje que a preocupação com a saúde mental vem crescendo, não apenas nos círculos de profissionais de saúde, mas também de outros segmentos da sociedade. E isso se justifica. Um relatório de 2017 da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou o Brasil como o País com a maior prevalência de transtornos de ansiedade nas Américas: o problema afetava 9,3% da população, o equivalente a 18,6 milhões de pessoas. O estudo mostrou ainda que 5,8% dos brasileiros, ou 11,5 milhões de pessoas, relataram ter algum tipo de transtorno depressivo. Os números mostram uma realidade anterior à pandemia de covid-19, que elevou esses índices.
De acordo com a Opas, a Organização Pan-Americana de Saúde, estima-se que mais de 300 milhões de pessoas sofram com a depressão em todo o mundo. “Especialmente quando de longa duração e com intensidade moderada ou grave, a depressão pode se tornar uma crítica condição de saúde. Ela pode causar à pessoa afetada um grande sofrimento e disfunção no trabalho, na escola ou no meio familiar. Na pior das hipóteses, a depressão pode levar ao suicídio”, alerta a OPAS.
A organização traz, ainda, um outro dado estarrecedor: cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano, sendo essa a segunda causa de morte entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos.
Essa verdadeira epidemia de doenças emocionais também tem reflexos econômicos: a saúde mental representa mais de 1/3 da incapacidade total no mundo, com transtornos depressivos e ansiosos como maiores causas, os quais respondem, respectivamente, pela 5ª e 6ª causas de anos de vida vividos com incapacidade no Brasil.
Esses trágicos números de doenças que afetam o emocional, levou a União dos Legisladores e Legislativos Estaduais (Unale), a aderir, desde 2015, à iniciativa do “Janeiro Branco”. Segundo o diretor-geral da Unale, Evaldo Bazeggio, a entidade, como aglutinadora dos representantes dos cidadãos, vem trabalhando na disseminação de campanhas voltadas ao cuidado da saúde da população em geral. E quanto à saúde mental, ele entende que, mais do que nunca, ela precisa estar na pauta dos cuidados permanentes, por isso, o apoio à campanha. “Os momentos de crises, de incertezas, de polarizações e de ambientes indefinidos afetam, de forma particular, as emoções e os sentimentos individuais e coletivos. E esse momento é agora! Por isso a Unale destaca a importância de se cuidar da mente, das emoções e dos sentimentos para que todas as outras áreas possam ter fluidez”, resume.
Bazeggio explica, ainda, que, além da divulgação, a adesão da entidade também tem o propósito de debater o tema e acatar sugestões da sociedade. “O objetivo da campanha é promover a saúde e mostrar que o espaço está aberto para os importantes diálogos para que sejam elaboradas políticas públicas de apoio à temática”, esclarece.
Por causa da pandemia de covid-19, esse ano, assim como em 2021, a ação da Unale no “Janeiro Branco” acontece de forma digital. São disponibilizados materiais para postagem nas redes sociais e portais das Assembleias com dados, informações e dicas de cuidado com a saúde mental da população. Além disso, a entidade também dispõe de canal por whatstapp para receber as demandas e direcionar as atitudes recomendadas pelo Ministério da Saúde àquelas pessoas que necessitam de auxílio profissional para tratar da saúde mental.
A campanha ainda pode ser replicada pelos Legislativos estaduais. “Para colaborar, basta entrar em contato com a equipe técnica da Unale para receber o material produzido para divulgação e, dessa forma, disseminar a ação por todos os estados, com um planejamento adequado a cada particularidade local”, explica o presidente da entidade.
Origem da campanha
O “Janeiro Branco” é uma iniciativa de um grupo de psicólogos da cidade mineira de Uberlândia, iniciada em 2014. A ideia era desmistificar as doenças mentais e convidar a população a discutir a importância do cuidado com a saúde emocional, em busca de mais felicidade e qualidade de vida.
Tanto o mês quanto a cor escolhida, guardam uma simbologia peculiar. Janeiro foi escolhido, pois representa, simbólica e culturalmente, um mês de renovação de esperanças e projetos na vida das pessoas. Por outro lado, o mês pode ser também frustrante para aquelas pessoas que não conseguiram cumprir metas no ano finalizado. Além disso, sensações típicas de final de ano podem impactar decisões precipitadas e gerar preocupações e ansiedade excessiva por não saber lidar com certas situações. Assim, a campanha alerta para a importância de começar esse novo ciclo de forma mais saudável e tranquila. E o branco representa a possibilidade de se criar uma nova história, de se escrever novos capítulos da vida, em uma página em branco.
A psicóloga Maria Madalena Gioia entende que o intuito da campanha é ainda mais amplo. Para ela, o objetivo é oferecer alternativas para diminuir o impacto negativo de transtornos mentais que, em alguns casos, podem ser imperceptíveis, mas que, com o passar do tempo, podem se transformar em verdadeiras fontes de diversas perturbações: “mal-estar, tormento, isolamento, sofrimentos individuais e familiares, e até problemas físicos de saúde, que, infelizmente, podem culminar em suicídios”, avalia a profissional.
A terapeuta explica que sentimentos negativos são inerentes ao ser humano, mas que é preciso se atentar à frequência e à intensidade dessas ocorrências. Quando eles são demasiados, pode ser o momento de se buscar ajuda profissional.
Além disso, segundo Maria Madalena, até mesmo a família pode ter dificuldade para lidar com essas situações, porque as pessoas não compreendem os processos e nem sempre sabem como auxiliar de forma assertiva. “Nesse momento, é interessante procurar um psicólogo, porque algumas vezes, conseguimos acompanhar o problema com tratamento psicoterapêutico e sem necessidade de medicação.”
O acompanhamento profissional vai permitir avaliar a evolução do paciente e, caso haja necessidade, a indicação da intervenção de outros especialistas. “Quando a problemática está mais séria, sintomática e/ou avançada, o próprio profissional contratado pode indicar um psiquiatra para um tratamento multidisciplinar conjunto, inclusive, se for o caso, com o uso de medicamentos”, explica a psicóloga.
A profissional chama a atenção para a ocorrência de doenças mentais ainda na infância. Ela salienta que crianças também podem ser acometidas por transtornos psicológicos e que, nesses casos, é mais importante que a família participe de todo o processo.
Por fim, Maria Madalena Gioia lembra da importância dos cuidados com a saúde mental, já que os reflexos do hoje, podem acompanhar o indivíduo por toda a vida. Segundo ela, a mente humana ainda é um grande mistério e a subjetividade é um segredo profundo que permeia a individualidade, a identidade e a formação da personalidade de cada pessoa. E conclui: “Tudo aquilo que foi aprendido, absorvido e incorporado em todas as fases da vida, especialmente na infância e adolescência, ecoa para toda a vida e influencia diretamente em como o indivíduo irá encarar a vida e todos seus desafios rotineiros”.
Intervenção de outros profissionais
Existem casos em que os transtornos psíquicos estão associados ou desencadeiam outras complicações que vão necessitar da assistência de mais profissionais. Segundo a neurologista, Helena Rezende Silva Mendonça, a parte emocional do indivíduo está intimamente conectada com o sistema nervoso central, através do sistema límbico, parte do cérebro ligada aos comportamentos e a memória emocionais. Dessa forma, quando a pessoa tem alguma alteração emocional, como um transtorno de humor ou uma situação de grande estresse, ela pode ter repercussões orgânicas, como mudanças no sono ou dores de cabeça, refletindo no sistema nervoso central. “Quando isso se torna muito confuso, cabe ao neurologista fazer a diferenciação do que é realmente lesão estrutural, do que é emocional ou psíquico do indivíduo”, orienta.
A médica explica, ainda, que as doenças emocionais normalmente são tratadas pelos colegas psiquiatras, mas que a neurologia atua no tratamento multidisciplinar de transtornos emocionais, quando esse sofrimento está associado a essas lesões orgânicas do sistema nervoso. Ela cita como exemplos, o paciente que apresenta muita dormência ou perda de memória acentuada, que pode ter a resposta para essas alterações, na avaliação do neurologista.
Além disso, o especialista dessa área pode ajudar na orientação de atividades que possam mitigar os efeitos das doenças psíquicas no organismo, como a prescrição de atividade física ou de relaxamento, que vão proporcionar melhor qualidade de vida ao paciente.
Se você quiser ajudar a disseminar a importância dos cuidados com a saúde mental, a campanha mantém uma página na internet com diversas orientações, material de apoio e muitas opções para a participação e adesão aos objetivos da iniciativa. O site também disponibiliza, gratuitamente, todo material informativo e de divulgação da campanha. O endereço do sítio é www.janeirobranco.com.br
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