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O futuro é compartilhar!

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Praticada desde os primórdios da experiência humana na Terra, a economia colaborativa ganhou força no fim da primeira década desse milênio, em função da crise econômica mundial de 2008, que forçou a busca de alternativas nas relações comerciais. Ela agora se apresenta como uma força a mais na retomada econômica no pós-pandemia. Em Goiás, a aprovação da Política Estadual de Estímulo, Incentivo e Promoção da Economia Colaborativa deve dar ainda mais fôlego à nova modalidade.

Muitos devem se lembrar, das aulas de história na infância, de que, antes da invenção do dinheiro, as relações comerciais eram feitas por meio da troca de mercadorias. Alguém que plantasse, por exemplo, arroz e feijão, em vez de comprar os outros produtos necessários à sua subsistência. Já que ainda não havia papel-moeda, trocava-se as mercadorias produzidas com quem tinha outros produtos disponíveis, como carnes, frutas, roupas e tudo mais que necessitasse. Era o chamado escambo, sistema que perdurou por muitos séculos.

O tempo passou e, segundo o site do Banco Central do Brasil, por volta do século VII a.C. as primeiras moedas, cunhadas, inicialmente, em ouro e prata, começaram a ser usadas para o pagamento de mercadorias.

O dinheiro em papel surgiu alguns séculos depois, quando as pessoas passaram a deixar as moedas sob a tutela dos comerciantes de ouro e prata, que tinham estrutura de cofres e vigias para guardá-las. Os depositários passaram a emitir recibos em papel dos valores em seu poder e, com o tempo, o documento começou a ser usado para pagamento. Assim surgiu o papel-moeda como o conhecemos e que passou a dominar as relações comerciais até os dias de hoje, mesmo com o protagonismo da tecnologia que, a cada dia mais, tem contribuído para que o dinheiro físico circule menos.

A modalidade de aquisição de produtos e serviços por meio do pagamento em dinheiro, iniciada lá na Idade Média, ainda segue preponderante, mas outras formas de se ter acesso a bens, têm surgido e atraído a atenção de muita gente. E, nesse caso, quando se fala em acesso, não significa, necessariamente, a aquisição, mas sim o usufruto de um produto ou serviço, sem, necessariamente, ter que comprá-lo.

Segundo o especialista em Economia, Luiz Carlos Ongaratto, essa é uma das bases da economia colaborativa (ou consumo colaborativo) que se caracteriza pelo compartilhamento ou a troca de bens. “Tem a ver com uma nova forma de consumir. A forma tradicional é aquela individual, em que você adquire um recurso, que fica muito tempo parado. A gente cita muito o exemplo do cortador de grama ou da furadeira que você tem em casa, mas não faz uso. Na economia colaborativa você não é o dono, mas tem poder de uso. Isso extrapola para vários casos. Aqui no Brasil nós temos muito o compartilhamento de bicicletas, mas em outros países nós temos até carros compartilhados. Há vários modelos de negócio que tem o uso em si e não, necessariamente, a posse daquele produto”, detalha.

O especialista explica que a experiência da economia colaborativa sempre existiu, mas não como um modelo de negócio. Além do escambo feito na antiguidade, ele cita como exemplo de transação comercial de compartilhamento, ainda em ambiente “offline”, as lojas de aluguel de produtos, como vestidos de noiva, artigos para festa, entre outros.

De acordo com Ongaratto, o marco, como modelo de negócio, foi o ano de 2008, quando a crise econômica iniciada nos Estados Unidos da América (EUA), mas com reflexos no mundo inteiro, provocou uma queda do poder aquisitivo da população. Isso levou as pessoas a repensarem a forma de consumo, percebendo que nem sempre é necessária a posse de um produto para usufruir dele. E, ainda: que o uso compartilhado pode ser a solução do problema de várias pessoas, a um custo mais baixo.

Aliada a essa nova percepção acerca do consumo, a oferta crescente, de mais e mais ferramentas tecnológicas, criou o ambiente perfeito para o desenvolvimento de formas diferenciadas de relações comerciais. “A internet ajudou na divulgação; a encontrar pessoas que têm o que compartilhar. Ela auxilia nas soluções tecnológicas, na criação de aplicativos, no que tange à localização, a entender se próximo a você têm pessoas com certas necessidades que podem ser supridas de maneira colaborativa. A internet fez a conexão de pessoas e de plataformas tecnológicas. Foi o que revolucionou a modalidade”, ensina Ongaratto.

Apesar de ser um mercado pouco explorado e com grande potencial de crescimento, o brasileiro já tem experimentado e aprovado essas novas maneiras de negociação. Uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), realizada em 2018, em todas as capitais brasileiras, revelou que 89% dos brasileiros que já experimentaram alguma modalidade de consumo colaborativo ficaram satisfeitos com a experiência.

O levantamento da CNDL também apontou que as modalidades de consumo colaborativo mais utilizadas pelos brasileiros são as caronas para o trabalho, faculdades e viagens (41%); aluguel de casas ou apartamentos de terceiros para pequenas temporadas (38%); e aluguel ou compartilhamento de roupas (33%). Em seguida, vem o compartilhamento de bicicletas (21%); e os financiamentos coletivos (16%).

Plataforma de permuta

Empreendedor e sempre antenado às possibilidades apresentadas pelas novas tecnologias, o engenheiro mecatrônico Rafael Barbosa conheceu a chamada economia colaborativa na fonte, onde a modalidade se reinventou. Em uma temporada nos Estados Unidos, de onde sempre buscou observar os movimentos do mundo dos negócios, ele percebeu que uma nova forma de relacionamento comercial vinha crescendo e atraindo cada vez mais empreendedores.

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De volta ao Brasil, Barbosa estudou o formato, por vários meses, e vislumbrou a possibilidade de investir em uma empresa que permitisse que os negócios pudessem ser realizados sem a tradicional circulação de dinheiro. A decisão de materializar o projeto aconteceu quando o empresário percebeu que esse modelo poderia reduzir a dependência que os empreendedores têm do sistema financeiro tradicional, algo que sempre o incomodou.  “O sistema produtivo está submisso ao sistema bancário. A economia colaborativa parte do pressuposto de sair um pouco do eixo do sistema financeiro”, analisa Rafael Barbosa.

Assim, nasceu, em 2014, a “XporY.com”, uma plataforma que possibilitou que pessoas e empresas troquem produtos e serviços. Ou seja, o que a empresa faz, de forma mais sofisticada, é o milenar e duradouro escambo. O que diferencia a prática antiga da atual é que as permutas acontecem no ambiente digital e, além disso, as trocas não são feitas diretamente entre duas pessoas ou empresas, como era na Antiguidade. Os produtos ou serviços são cadastrados na plataforma para que sejam trocados de forma multilateral, e não de forma bilateral.

O funcionamento da plataforma é bem simples. Segundo Barbosa, qualquer pessoa, física ou jurídica, pode cadastrar os seus produtos e os seus serviços, gratuitamente. Na plataforma, a moeda circulante é o X, que tem o mesmo valor do real, ou seja, 1X = R$ 1.

A mercadoria é precificada em X e quem a cadastrou fica com crédito para adquirir qualquer produto ou serviço oferecido no site. “Na permuta tradicional, cada pessoa precisa ter um produto para se trocar por outro. No modelo multilateral, se aplica a economia colaborativa, porque nele, se escala o negócio da permuta”, explica o empresário.

Nos primeiros anos, a nova forma de fazer negócios não atraiu muitos adeptos. Rafael conta que o início foi bem complicado, mas aos poucos, os usuários foram descobrindo a plataforma, que vem crescendo ano após ano. A interação com o público também foi mostrando o que ele procurava e, assim, foram feitas adequações até se chegar à modelagem atual de operação da empresa.

Durante os oito anos de funcionamento, a ferramenta criada para a troca de produtos e serviços entre pessoas e empresas foi mostrando outras possibilidades de trocas. A empresa criada por Rafael Barbosa já está sendo usada para mediação de conflitos entre devedores e credores que, por meio das permutas feitas dentro da plataforma, chegam a soluções para pendências que, muitas vezes, se arrastavam há muito tempo. “Começou com um colégio que era cliente. O dono da escola viu essa possibilidade. Nesse filão, temos muito a oferecer. Hoje, 64,25 milhões de pessoas são devedoras no Brasil e estão negativadas. Elas podem, por exemplo, prestar um serviço e pagar a dívida. E tem mais uma infinidade de possibilidades, como no campo social. Temos um projeto com a Central Única das Favelas (Cufa), em Jabaquara, São Paulo, para fomentar a economia local. E muitos outros campos podem se abrir”, diz Rafael.

A plataforma também permite que empresas que estão com estoques parados e serviços ociosos encontre possíveis clientes interessados nesses produtos, os quais não têm dinheiro para fazer a aquisição, mas que possuem outras mercadorias para oferecer. As permutas multilaterais ligam as duas pontas e, muitas vezes, podem fazer a diferença na sobrevivência dos empreendimentos.

O maior conhecimento da plataforma e a ampliação dos serviços oferecidos refletiram no crescimento expressivo da empresa no último ano, a qual dobrou o faturamento entre 2021 e 2022. Esse avanço também rendeu uma parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de São Paulo.

Regulamentação

Barbosa faz questão de ressaltar a necessidade de investimentos nessa nova ordem que está surgindo. Ele lembra que o início da XporY.com só foi possível porque teve o incentivo do Programa Tecnova, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, executado em Goiás pela Fundação de Apoio à Pesquisa (Fapeg). Mas ele reclama que ainda falta muito apoio para que o negócio se viabilize. “Em outros países, o modelo já deu certo. Nos Estados Unidos, essa modalidade movimenta o equivalente a R$ 20 bilhões por ano. No Brasil, algumas iniciativas incentivam, mas ainda é um negócio marginal. Falta regulamentação”, ressalta.

Em Goiás, a regulamentação defendida por Barbosa para dar segurança à nova modalidade deu o primeiro passo com a aprovação, pela Assembleia Legislativa, da Política Estadual de Estímulo, Incentivo e Promoção à Economia Colaborativa. Apresentada ainda no auge da pandemia de covid-19 pelo deputado Virmondes Cruvinel (UB), a proposta tinha como objetivo dar ao empresário uma alternativa de negociação, diante dos desafios que se impuseram pelas restrições e pelo isolamento social.

A então propositura de nº 2039/20 foi sancionada pelo governador Ronaldo Caiado (UB), no último mês de agosto, e se tornou a Lei Estadual nº 21.543. A legislação estabelece, dentre outras coisas, a desburocratização da entrada das soluções de economia colaborativa no mercado; o estímulo à criação de processos simples e ágeis para a abertura e o fechamento de iniciativas, dentro do conceito de consumo colaborativo; e a formação de ambientes de negócios, de modo a consolidar o ecossistema colaborativo.

A Lei Estadual nº 21.543 prevê, ainda, a permuta multilateral de multas e dívidas de empresários, como débitos da Goiás Fomento, que podem virar, por exemplo, doações à Organização das Voluntárias de Goiás (OVG). Para o propositor da iniciativa, o resultado esperado é que o estado possa ter “uma rede de negócios saudáveis e que estejam prontos para fazer uma transição natural para um ambiente onde a economia tradicional conviva com a economia colaborativa”.

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Leis como essa aprovada em Goiás podem ajudar a aumentar a confiança dos consumidores nas novas ferramentas de comércio. Conforme a pesquisa da CNDL, um dos entraves para o crescimento da economia colaborativa é a insegurança nas relações de economia compartilhada, causada, especialmente, pelo desconhecimento da pessoa que está do outro lado. Na pesquisa, 51% dos entrevistados relataram a falta de confiança nas pessoas e o medo de serem enganadas. Uma grande parte (43%) citou o perigo de lidar com estranhos. Também apareceram no levantamento a falta de garantias no caso de não cumprimento do acordo (42%); a falta de informação (37%); e a desconfiança com relação à qualidade do produto dividido (30%).

Sustentabilidade econômica e ambiental

Um ponto central que a legislação goiana busca contemplar é a garantia de compra do que é produzido pelas empresas. O autor da iniciativa, deputado Virmondes Cruvinel, entende que um sistema colaborativo aplicado em larga escala, que permite vendas futuras, pode ser um dos caminhos para que a produção empresarial alcance o mercado. “O sistema eliminaria o risco mais temido do empresário: investir e não conseguir colocar sua produção no mercado. Com um sistema de trocas permitindo transações futuras, as produções futuras dos empresários poderiam ser lastreadas em intenções reais de compras de outros parceiros, sem necessidade de troca direta”, defendeu o parlamentar, na justificativa da então propositura aprovada pela Alego.

Mas nem só a viabilidade econômica dos negócios se desenha como possibilidade na chamada economia colaborativa. A sustentabilidade ambiental é outra importante vertente da modalidade, especialmente, em um momento em que o mundo inteiro já entendeu que a continuidade da vida humana na Terra depende da preservação do meio ambiente.

A ideia da sustentabilidade está presente em vários aspectos do consumo colaborativo, já que um dos pressupostos é o acesso ao uso e não a posse de um bem. O uso compartilhado de produtos como o cortador de grama, citado no início dessa reportagem, reduz a necessidade de aquisição de produtos. Consequentemente, o uso de recursos naturais utilizados na produção desses materiais será menor.

Além disso, a geração de lixo também é minimizada, tanto no processo de fabricação quanto na hora do descarte. “Você consegue produzir com a mesma quantidade de produto e ele pode chegar a uma quantidade muito maior de pessoas. A gente não deixa aquele produto parado. Você dá uso durante a vida útil do bem. Isso é importante, até mesmo, para não pressionar muito os preços e nem os recursos naturais. Isso sem falar que aquilo que você não usa, acaba jogando fora”, avalia Ongaratto.

Unindo a prática milenar do escambo às novas ferramentas tecnológicas e às possibilidades de consumo mais sustentáveis, a economia colaborativa veio para ficar. Segundo levantamento publicado, no início desse ano, pela PwC Consultoria, empresa especializada em consultoria estratégica e assessoria em transações, o modelo já movimenta cerca de US$ 15 bilhões todos os anos. O mesmo estudo projeta um crescimento de mais de 20 vezes o valor atual, podendo chegar a US$ 335 bilhões até 2025. 

Só a plataforma goiana XporY já tem mais de 12 mil clientes e é só o começo. “Estamos apenas no início. A Uber e a Airbnb vieram para revolucionar o mercado. Hoje, a indústria de games movimenta mais que a indústria da música e do cinema. Tudo isso se confronta com a economia tradicional. As expectativas são as melhores possíveis”, se anima o empresário Rafael Barbosa.

Por sua vez, o especialista Luiz Carlos Ongaratto chama a atenção, ainda, para o aspecto “democrático” da modalidade. Para ele, a economia colaborativa pode gerar oportunidades para pessoas e empresas de qualquer porte e segmento e ainda permite que todos esses atores interajam no processo.

Ongaratto acredita que o modelo pode, em um futuro breve, gerar uma nova forma de pensar a economia. “É uma tendência. Principalmente para as novas gerações, que já estão convivendo com os serviços. Hoje, por exemplo, você não tem mais algumas mídias. Antes, você tinha o disco, o CD. Hoje, você tem o streaming. Antes, você tinha o DVD. Hoje, você tem o YouTube. Em algumas cidades, as pessoas já podem contar com o aluguel de carro por trajeto. Então, essa nova geração já está se acostumando com isso. Ela coloca para girar as próprias roupas, fazendo bazares, por exemplo. Isso vai modificando até a cultura do consumo. Quando esses jovens chegarem a uma maturidade econômica e financeira, será muito diferente. Eles terão uma outra ideia de consumo. E a gente vai ver sempre esse mercado se reinventando, tendo cada vez mais opções colaborativas”, prevê o especialista.

Repensar uma economia menos agressiva ao meio ambiente e, ao mesmo tempo, que garanta a sobrevivência das empresas, é uma necessidade urgente e que já apresenta demora. Nesse aspecto, a economia compartilhada tem se mostrado uma alternativa mais inteligente e eficiente. E isso é bom para todos: para as empresas, para o Planeta e, especialmente, para as pessoas.

Fonte: Assembleia Legislativa de GO

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