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Dia da Conscientização contra a Obesidade Mórbida Infantil. Data alerta a sociedade sobre riscos e cuidados

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O aumento no número de crianças com sobrepeso ou obesidade já vinha preocupando profissionais de saúde há algumas décadas, mas a pandemia de covid-19 acentuou o problema. A necessidade do isolamento social para evitar a contaminação com o novo coronavírus forçou ou reforçou alguns hábitos que culminam no aumento de peso. E não é um aumento qualquer. Os números são expressivos e deixam pediatras e outros profissionais em estado de alerta. Os registros do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que uma em cada três crianças, entre cinco e nove anos, está acima do peso.

Está cada vez mais longe a época em que meninos e meninas passavam o tempo livre na rua de casa, jogando bola, andando de bicicleta, brincando com os vizinhos. Era uma infinidade de brincadeiras, desafios, jogos, que, à noitinha, quando os pais chamavam para se recolherem, sempre havia um pedido de “ eu ficar só mais um pouquinho”, porque o ‘repertório’ ainda não tinha se esgotado. É bem verdade que as crianças viviam com o joelho ralado, com a unha do dedão do pé arrancada e outros “arranhões”, resultados do tipo de diversão típico daquela época, que envolvia intensa e constante atividade física.

O tempo passou e muita coisa mudou: as cidades cresceram e ficaram mais inseguras, o que fez com que as brincadeiras de rua ficassem muito restritas, ou mesmo extintas, em alguns locais. Os muros das casas subiram, muitas famílias se mudaram para apartamentos, o tempo de estudo das crianças aumentou, as atividades físicas passaram a ser em escolas de natação, balé, escolinhas de futebol, com horários determinados e limitados a algumas horas por semana. O tempo livre acabou sendo ocupado, primeiramente pela televisão, depois, pelos videogames e computadores e, por último, pelos telefones celulares.

Essas alterações na dinâmica das famílias, aliada a mudanças de outra ordem, resultaram em um problema de saúde pública: o crescimento no número de crianças e adolescente com sobrepeso ou obesidade. A outra mudança comportamental que contribuiu para esse cenário de jovens acima do peso adequado, apontada pelos especialistas, é relativa aos hábitos alimentares. A incorporação de alimentos industrializados à dieta diária e a redução da ingestão de produtos naturais acabou por influenciar nesse acréscimo. 

Segundo o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), em 2019, 16,33% das crianças entre cinco e dez anos, estavam com sobrepeso; 9,38% com obesidade; e 5,22% com obesidade grave. Nos adolescentes, 18% tinham sobrepeso; 9,53% obesidade; e 3,98% obesidade grave. E a Organização Mundial da Saúde (OMS) já prevê que, em 2025, serão 75 milhões de crianças obesas no planeta.

Atenta ao tamanho do problema e já pensando em combatê-lo, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) elaborou um documento que orienta pediatras a identificarem a obesidade infantil. A preocupação se justifica: conforme a endocrinologista pediátrica e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Renata Machado, a obesidade infantil é causa de um sem-fim de problemas para as crianças. E o pior: pode ter consequências para o resto da vida.

Ainda na infância, as crianças podem desenvolver várias doenças que eram consideradas de adulto e que agora estão cada vez mais comuns entre os pequenos, como o aumento de ácido úrico, o aumento de mau colesterol e triglicérides, redução do bom colesterol, a resistência à ação da insulina (que é o primeiro passo para o diabetes), e o próprio diabetes mellitus tipo 2.  A lista da médica, que também é mestre em genética e doutora em ciências da saúde, é bem ampla e inclui comorbidades inflamatórias, possibilidades de desenvolver doenças cardiovasculares e lesões de articulação pelo excesso de peso.

“E uma coisa muito importante é a questão psicológica: o obeso é discriminado e isso acaba com a autoestima em uma fase em que a psiquê ainda está em formação. Então, estar obeso na infância e sofrer essa discriminação é muito danoso, não só para agora, mas terá repercussão para o futuro adulto. E as crianças obesas também têm mais depressão, mais ansiedade e maior evasão escolar também”, explica a médica.

Outros impactos na saúde das crianças

Os impactos na estrutura psicológica de crianças e adolescentes obesos são reiterados pela psicóloga Ana Flávia Ramos, que detalha os prejuízos citados pela endocrinologista e cita outros. “Desde cedo ele aprende que ele é diferente, que é feio, recebe apelidos pejorativos. Tudo isso afeta a autoestima, o que passa pela não aceitação de si. Para não se expor a essas situações, ele acaba se isolando, tem dificuldades para interagir socialmente e prefere atividades solitárias, o que vai gerando um isolamento. E ainda temos o desencadeamento ou agravamento de quadros psiquiátricos, como ansiedade, depressão, os transtornos alimentares, como bulimia, anorexia e a compulsão alimentar”, explica.

De acordo com a profissional, todas essas questões têm diversos desdobramentos a curto e a longo prazos. “A depressão pode levar ao suicídio. Essas questões como o bullying geram queda no rendimento escolar. O desempenho escolar fica comprometido e leva ao abandono da escola. Outro ponto preocupante: o abuso do álcool e de outras drogas, já que alguns adolescentes começam a experimentar o álcool, principalmente na adolescência, e ele pode passar para o uso abusivo dessas substâncias. E se isso tudo não passar por uma intervenção na infância e/ou na adolescência, pode se estender até a vida adulta e durar pela vida toda”, diz a psicóloga.  

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Covid-19 complica ainda mais o quadro

Se o atual estilo de vida das famílias já levava as crianças a uma rotina de sedentarismo e a uma dieta desequilibrada, a chegada da pandemia causada pelo Sars-CoV-2 provocou a intensificação de hábitos que refletem no ganho de peso.

Segundo a endocrinologista pediátrica e professora da UFG, Renata Machado, um problema pouco abordado é sobre as crianças que estão vivendo em situação de insegurança alimentar, ou seja, elas nem sempre têm comida em casa. “Cerca de 20% das famílias pobres no mundo estão passando por isso. E quando essas pessoas têm o alimento em casa, os multiprocessados são os mais acessíveis”, esclarece.

Quanto às crianças que estão em classes que têm alimento disponível, tanto as mais pobres, quanto as mais ricas, a médica explica que enquetes alimentares realizadas em todo o mundo mostram que houve, por parte delas, um aumento no consumo de carnes vermelhas, salgadinhos processados e de bebidas açucaradas. Na outra ponta, a ingestão de frutas e vegetais permaneceu estável. O desequilíbrio energético começa aí, mas é potencializado porque o gasto de calorias foi reduzido e esse fato nem precisa de pesquisa para ser comprovado.  

O isolamento social, o fechamento de atividades, entre elas as que ofereciam modalidades esportivas para crianças, provocaram uma drástica redução das atividades físicas. “As crianças têm se exercitado bem menos por uma questão de segurança. Esportes de contato, como o futebol e as lutas, estão fechados e os esportes individuais não atraem as crianças. Com as aulas online houve, também, uma redução das atividades não programadas. As crianças estão muito paradas, muito quietas e isso reduz muito o gasto energético. O aumento de peso está sendo uma explosão”, acrescenta.

Infelizmente isso não é tudo. A médica explica que, para além dessas questões, quase intuitivas, pelo menos, mais dois aspectos precisam ser levados em conta. O primeiro diz respeito, mais uma vez, ao psicológico dos menores. Segundo a professora da UFG, as crianças estão muito expostas à ansiedade. O fato de não poder estar com os amigos e com familiares, a perda de entes queridos e, até mesmo, o acompanhamento das notícias relativas à pandemia, geram estresse, o que pode culminar no ganho de peso. “O hormônio do estresse tem o efeito tanto de aumentar o peso, de inchar, quanto de aumentar o apetite. Então tem mais isso”, sintetiza a médica.

O outro fator é ainda mais preocupante: o exagero da exposição às telas dos eletrônicos, causa outros prejuízos, além dos já conhecidos. Renata Machado esclarece que a luz excessiva dessas telas reduz a produção da melatonina, o hormônio do sono. Dessa forma, o sono profundo é prejudicado e há um desequilíbrio na interação com outros hormônios, como o GH (do crescimento), e o cortisol (do estresse), interferindo no crescimento e no ganho de peso.

“Todas as telas fazem isso, mas quanto menor a tela e mais próxima, pior. Muita tela significa menos melatonina, menos sono reparador. As crianças vão dormir muito tarde, bagunçam os hormônios. O GH não age direito se você não estiver no sono profundo. O sono profundo é aquele das 9 horas da noite às 6, 7 horas da manhã, que é quando o cortisol está baixo. Essa “balancinha” cortisol baixo e GH alto é que promove o crescimento. Dormir de dia não cresce, só de noite. Dormir muito tarde e com sono superficial muda os hormônios de fome e saciedade”. Em resumo: todos esses componentes têm contribuído ainda mais para o aumento da obesidade. “É a tempestade perfeita”, arremata a especialista. 

“É preciso nadar contra a maré”

Se a situação beira a alarmante é preciso agir com urgência e com pulso. Para além de políticas públicas, que vão combater os efeitos coletivos da doença, cada família pode (e deve) buscar os tratamentos disponíveis (e isso passa por mudanças de comportamento para toda família) para ajudar as crianças a enfrentar e superar o problema. 

Para a médica Renata Machado, mesmo em tempos de pandemia é preciso “nadar contra a maré e enfrentar a situação”. Ela dá dicas para a criançada e para toda a família se movimentar e melhorar a qualidade de vida, o que vai desembocar na redução do peso. “Põe uma máscara, de preferência a N95 (PFF2) ou a cirúrgica, que bem adaptada não incomoda tanto e tem uma filtragem de 90% das partículas, então é bem adequada e, vamos fazer exercícios ao ar livre, sem ficar aglomerando, porque mesmo ao ar livre não é indicado. Mas dá para ir a parques, playgrounds, lugares abertos, tranquilos. Academia, acho complicado. Mas se for só para crianças, com distanciamento, com ventilação, isso é muito importante. Se todos estiverem usando máscara, dá para fazer”, orienta. 

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Além disso, ela indica tutoriais, muito comuns no YouTube, de danças e exercícios, que toda família pode praticar mesmo dentro de casa. Por volta das 19 horas da noite é o momento de “desligar” as telas e promover outras atividades que não vão interferir no sono. “Nesse período de duas horas antes de ir para a cama, a criança vai fazer o que se fazia antes de ter essa tecnologia toda: ler livro físico, desenhar, bater papo, jogos de tabuleiro, enfim, ficar duas horas sem a luz azul do celular, para dormir em um horário legal. Se fez exercício, vai estar um pouco mais cansada. Isso vai ajudar, também”, diz Renata.

A vigília na cozinha é um item que exige ainda mais o comprometimento do adulto. “Se a criança está dentro de casa e está tendo acesso a industrializados, guloseimas, tem um adulto culpado. Porque não é a criança que faz compras. Se tem conta na padaria da esquina ou se a criança está comprando por aplicativos, tem um adulto que está pagando e está deixando isso acontecer. Então ele tem que fazer uma mea-culpa e não deixar essas coisas entrarem dentro de casa”, ensina a médica. 

A nutricionista Victória Ramos faz coro com a médica e insiste no papel da família como agente fundamental no processo de emagrecimento da criança.  Ela acredita que é necessário fazer um trabalho educativo com toda a família e rede de convívio, que possibilite a criação de um ambiente favorável à adesão e manutenção de hábitos mais saudáveis e, ao mesmo tempo, agradáveis a essas crianças e adolescentes.

Victória explica a sua tese: “Levando em consideração que o ambiente é determinante é preciso ter por perto alimentos que favoreçam no processo de emagrecimento e, ao mesmo tempo, reduzir o acesso aos industrializados, alimentos processados, ricos em açúcares e carboidratos refinados. No dia-a-dia, podem ser trocados, por exemplo, refrigerante e sucos de caixinha por suco de frutas; pães e bolos açucarados por frutas e carboidratos integrais, salgadinhos de pacote e frituras por alimentos assados e receitas preparadas em casa. É importante que essa criança ou adolescente goste dessa nova rotina e não se sinta excluída, o que muitas vezes acontece durante o processo da perda de peso”, frisa.

A nutricionista também lembra da responsabilidade do adulto na decisão de mudança comportamental e no ambiente. “As crianças e os adolescentes possuem pouca ou nenhuma autonomia em relação ao adulto e ainda estão em fase de formação de comportamento. Nesse caso, é importante levar em consideração que quem decide como será o ambiente, facilitando ou não o acesso a alimentos saudáveis, é o adulto responsável. O outro ponto é que essa criança/adolescente irá moldar seu comportamento baseado no exemplo das pessoas que têm como referência. Desse modo, o exemplo se torna um ensinamento mais efetivo do que brigas, ameaças, barganhas ou broncas”. 

A flexibilização da dieta aos fins de semana também pode ajudar nessa caminhada, que não é fácil, mas pode evitar outros problemas ainda de muito mais difícil superação. Mais uma vez, a endocrinologista orienta: “No fim de semana, uma coisinha de diferente fica interessante. Não é proibido, mas é controlado. Então vamos comer uma guloseima em quantidade moderada uma vez por semana”. Ela também chama a atenção para a quantidade e a forma de aquisição. Segundo Victória Ramos, não é recomendável ter os produtos estocados em casa. O ideal é comprar somente uma pequena porção para consumo imediato.

Por último, mas não menos importante nesse processo, é, mais uma vez, a observância aos aspectos psicológicos no enfrentamento à doença. Também nessa seara, ou talvez, até mais, a família tem que ser proativa e participativa. De acordo com a psicóloga Ana Flávia Ramos, o apoio da família é fundamental na identificação e na intervenção precoce em busca de soluções. “A família precisa ser aliada da criança, ajudá-la no enfrentamento. E caso sintam a necessidade, caso percebam que não estão sabendo lidar com a situação, devem buscar ajuda profissional, tanto para eles, quanto para a criança”. 

A profissional explica que o acompanhamento psicológico vai trabalhar aspectos que estão mais comprometidos na criança e, ao mesmo tempo, reforçar os aspectos positivos preservados. Além disso, a atuação do psicólogo vai ajudar a criança na adesão aos tratamentos médico e nutricional. Ela chama a atenção para um comportamento que a família não pode ter, em hipótese nenhuma: o de criticar ou, até mesmo, fazer bullying. “Algumas famílias criticam a criança porque come muito, porque está acima do peso e outras até ‘brincam’ com essa condição. Isso não pode, nunca, acontecer. A família deve ser sempre uma aliada da criança”, finaliza. 

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