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Mais armas vendidas, menos apreensões: especialistas analisam “efeito Bolsonaro”
Desde que passou a ocupar a cadeira de presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) apresentou 30 atos normativos – entre portarias e decretos presidenciais – que flexibilizam e enxugam os processos burocráticos para compra e porte de armas por cidadãos comuns.
Na última canetada, foram quatro decretos que, dentre outras providências, aumenta o limite de armas de cidadãos comuns de quatro armas pare seis; permite o porte simultâneo de duas armas, facilita a compra de armamentos e munições para colecionadores, atiradores e caçadores (CACs); e amplia a lista de categorias profissionais que têm direito a adquirir armas e munições controladas pelo Exército.
O saldo em dois anos de flexibilização foi um aumento de 180 mil novas armas de fogo registradas na Polícia Federal , recorde da série histórica.
Segundo Acácio Miranda da Silva Filho, especialista em Direito Constitucional e Penal, além dos atos normativos de Bolsonaro , o próprio incentivo do governo federal contribue para esse aumento exponencial de armas registradas no Brasil.
“Nós percebemos que a questão do armamento tem sido praticamente uma política pública do governo, inclusive com publicidade institucional para tanto”, afirma o advogado. “O interesse de Bolsonaro é político, foi tudo promessa de campanha e muito a reboque do que acontece nos Estados Unidos ; não foram poucas as oportunidades em que ele fez um paralelo entre as circunstâncias”, continua o advogado.
Já para Evandro Fabiani Capano, advogado especialista em Segurança Pública, ex-presidente da Comissão de Segurança Pública e da Comissão de Direito Militar da Secção Paulista da OAB , há clara correlação entre a política armamentista de Bolsonaro e o aumento de armas registradas , mas é preciso analisar também outros fatores.
“É possível que seja também um reflexo do aumento da insegurança do cidadão, por exemplo”, diz.
Apesar da escalada de armas registradas, o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em outubro de 2020, mostra que houve queda nas apreensões : 1,9% nas operações da Polícia Rodoviária Federal e 0,3% nas apreensões feitas pelas polícias estaduais.
“Há um desinteresse por parte das autoridades neste tipo de operação”, afirma Acácio Miranda. Ele diz, no entanto, que a desburocratização do tema também contribui para que pessoas não sejam mais enquadradas em infrações de porte ilegal de armamento.
“Por exemplo, caçadores, atiradores e colecionadores registrados têm a possibilidade de carregar armas a partir da edição dos últimos decretos do presidente. Basta declarar que está indo a um clube de tiro. Então, mesmo que as autoridades não estejam interessadas na apreensão , estão impossibilitadas muitas vezes de agir porque as pessoas estão dentro dos padrões normativos estabalecidos pelo governo.”
Para Evandro Fabiani Capano, não há desinteresse das autoridades. “Isso reflete apenas a facilidade na regulamentação ; há um número maior de pessoas com a regulamentação em ordem e, portanto, diminuição nas infrações”.
Discussão sobre constitucionalidade dos decretos
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Do ponto de vista constitucional, há discordâncias sobre a legalidade dos atos Bolsonaro. O próprio 1º vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM) , disse no dia seguinte da publicação dos decretos no Diário Oficial que houve extrapolação dos poderes por parte do presidente da República.
“Mais grave que o conteúdo dos decretos relacionados a armas editados pelo presidente é o fato de ele exacerbar do seu poder regulamentar e adentrar numa competência que é exclusiva do Pode Legislativo”, escreveu o deputado Marcelo Ramos em sua conta no Twitter.
De acordo com oo especialista em Direito Constitucional e Penal Acácio Miranda da Silva Filho, os últimos decretos extrapolam o poder normativo já que “a regulamentação do tema cabe ao Congresso através de uma lei federal”.
“Temos, inclusive, um Estatuto de Desarmamento para isso. O artigo 84 da Constituição diz que cabe ao presidente da República apenas regulamentar as leis estabelecidas pelo Congresso Nacional”, diz. Segundo ele, “o próprio Supremo Tribunal Federal pode intervir e determinar inconstitucionalidade formal desses decretos”, como ocorreu quando o ministro Edson Fachin suspendeu a isenção de impostos para importação de armas.
O Supremo tem recebido representações de partidos de oposição que visam suspender os decretos. Até o momento, cinco legendas apresentaram Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) : PSDB, PT, PSOL, Rede e PSB.
Impacto nos indicadores de violência
Quinze anos após os brasileiros irem às urnas, em 2005, para decidir se o comércio de armas e munições seria proibido, as armas de fogo são responsáveis por cerca de 70% dos homicídios no país , segundo dados de outubro de 2020 do DataSUS , departamento de informática do Sistema Único de Saúde (SUS).
Com dois anos de flexibilização desde o início do governo Bolsonaro, é cedo para cravar, com base em dados, se a desburocratização do porte elevou ainda mais os níveis de violência no Brasil, e, segundo Acácio Miranda , essa falta de evidêcias é utilizada pelo presidente da República para argumentar a favor da regulamentação.
No ano de 2020, dados do Monitor da Violência, realizado em parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que houve uma alta de 5% nos assassinatos em 2020 na comparação com 2019.
O aumento de mortes aconteceu mesmo durante a pandemia do novo coronavírus e foi puxado principalmente pelo Nordeste, que teve um aumento expressivo nos assassinatos: 20%
Analisando, porém, os dados do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), do Ministério da Saúde, é possível observar em 2019 uma queda de homicídios no Brasil de 31% se comparado ao ano de 2017 (que registrou recorde de 65,5 mil casos).
A estatística, entretanto, mostra uma face oculta: o número de mortes violentas sem explicação saltaram 70% entre 2017 e 2019, o que reforça a suspeita de que a alta das mortes violentas sem explicação seja fruto, em grande parte, da subnotificação de homicídios.
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