Nacional
Jacarezinho: ação com 200 policiais teve apenas 26 armas de agentes apreendidas
Após a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro , ocorrida na última quinta-feira (06) na favela do Jacarezinho , apenas 26 armas de um universo de cerca de 200 policiais civis que participaram da ação foram apreendidas e encaminhadas para perícia. Especialistas em Segurança Pública acreditam que, nesse episódio, todas as armas de policiais envolvidos deveriam ser apreendidas e analisadas.
Organizações de proteção aos direitos humanos e da sociedade civil, como a Anistia Internacional, consideram que houve na favela uma chacina . A Polícia Civil, por sua vez, sustenta que todos os mortos pelos agentes eram suspeitos de integrar o tráfico de drogas. Em entrevista à CNN Brasil, o subsecretário Operacional da Polícia Civil do Rio, Rodrigo Oliveira, defendeu a atuação dos policiais, mas admitiu que não se pode “considerar um sucesso uma operação que termina com tantas vítimas”.
O levantamento das armas apreendidas foi feito com base nos 12 registros de ocorrência relativos às mortes “por intervenção de agentes do Estado” ocorridas durante a operação, encaminhados à Delegacia de Homicídios da Capital. Dentre os armamentos de policiais coletados, 24 são fuzis, e duas são pistolas. Ao todo, os nomes de 24 policiais aparecem nesses registros. Três deles se envolveram em dois registros de mortes diferentes.
Questionada ontem, a Polícia Civil não respondeu oficialmente quantas armas de policiais que participaram da operação foram retidas para análise. Informou apenas sobre os suspeitos no confronto. Disse que, na operação, a Polícia Civil apreendeu 16 pistolas, cinco fuzis, uma submetralhadora, 12 granadas, duas escopetas calibre 12 e munições. “Todas as armas dos policiais foram apreendidas para a realização da perícia”, afirmou em nota.
Para o ex-secretário nacional de Segurança Pública, o coronel reformado da PM José Vicente da Silva Filho, as armas de todos os agentes envolvidos na operação deveriam passar por perícia. Ele afirma que o Ministério Público do Rio deveria interferir na questão:
“Nós tivemos mais de 200 policiais na operação. O correto seria passar todas as armas para ter a perícia. É uma forma de mostrar isenção em relação à ação correta. Qual é o critério que eles adotaram para escolher essas armas dos policiais? Esse é um ponto que o MP precisa interferir”.
José Vicente explica que o confronto balístico é importante para identificar a autoria das mortes em ações como essa. Normalmente, segundo ele, é feito um confronto de projéteis encontrados nas armas apresentadas com os achados nos corpos.
“Cada arma apresentada tem a identificação do policial que a utilizou. Todas as armas devem ter uma clara relação com o policial a portá-la. Tudo isso significa lisura”, defende.
O sociólogo Ignácio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência, da Universidade do Estado do Rio (Uerj), ressalta que, historicamente, a polícia evita apreender armas com o argumento de que tirá-las de circulação prejudicaria a rotina de policiais. Cano destaca a importância de uma reconstituição para apurar o caso.
“Deveriam apreender as armas de todos os policiais que participaram do confronto”, afirma. “É necessário fazer uma reconstituição do confronto, destacando a posição de cada policial e a posição dos alvos. Nesse caso, a apreensão das armas é muito importante para saber quem atirou em quem. Com certeza a perícia de todas as armas individualizadas é essencial para esclarecer os fatos. Pode ser que algumas sejam mortes legítimas, outras, não. Tem que ser investigada cada morte individualmente”.
O pesquisador também lembra que esse tipo de perícia pode contribuir para apurar possíveis execuções, junto com o depoimento de todos os policiais envolvidos. Ele lembra o caso de Matheus Gomes dos Santos, de 21 anos. Segundo policiais civis, o rapaz foi encontrado morto em uma cadeira de plástico. No entanto, uma foto dele circula pelas redes sociais. Ele aparecia já baleado, com uma das mãos na boca, sentado na cadeira.
No registro de ocorrência em que policiais dizem ter encontrado o corpo de Matheus, dois policiais civis aparecem como testemunhas e nenhuma arma consta como apreendida. Em depoimento, eles disseram que no “início da operação policial, as equipes foram recebidas por diversos disparos de arma de fogo, vindo de todas as direções e que ao cessar fogo” e que viram “um elemento com ferimentos de arma de fogo sentado em uma cadeira, o qual socorreram”.
Mesmo sem considerar a operação um sucesso, o delegado Rodrigo Oliveira voltou a defender a postura dos policiais na entrevista à CNN Brasil.
“O fato é que esses criminosos tentaram enfrentar a força do Estado”, disse.
Também questionados sobre a questão dos armamentos periciados, o MPRJ, a Defensoria Pública e o Governo do Estado disseram que não têm tais informações, que devem ser obtidas com a Polícia Civil.
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