Política
Homenagem a profissionais que se tornam ainda importantes quando muitos negam a história e a ciência.
“Pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro.” Isso é o que já defendia o historiador grego Heródoto, cinco séculos antes do início da Era Cristã. A célebre frase atribuída ao “Pai da História” é hoje aqui relembrada para exaltar a importância do trabalho realizado pelos profissionais da área.
Preservação patrimonial, resgate da memória e valorização do legado cultural, aperfeiçoamento de valores e práticas sociais são algumas das inúmeras contribuições deixadas pelos intelectuais do campo. Em reconhecimento à atuação desses profissionais, que têm, ao longo do tempo, desempenhado um papel fundamental para o desenvolvimento da história e da educação do país, neste 19 de agosto, celebra-se, no Brasil, o Dia Nacional do Historiador.
Instituída pela Lei n° 12.130, de 17 de dezembro de 2009, a data remete ao aniversário de nascimento do diplomata e escritor pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910). Ilustre abolicionista, Nabuco foi um homem versátil e à frente do seu tempo. Ele se destacou ainda como um renomado político, historiador, jornalista, jurista e orador e teve forte atuação no final do império e início da República brasileira. “Não nos basta acabar com a escravidão, é preciso acabar com a obra da escravidão”, alertou, em certo momento.
Seu alerta segue ressoando no trabalho dos historiadores contemporâneos e parece se fazer agora ainda mais urgente. Isso foi o que observou a historiadora pernambucana Elizabet Remigio, em entrevista concedida por ocasião desta mesma data, no ano passado.
“Estamos vivendo um momento histórico em que o negacionismo encontra-se muito presente. A negação à escravidão, a crítica às comunidades afrodescendentes e indígenas, a exaltação dos tempos sombrios da Ditadura Civil-Militar passaram a integrar os discursos oficiais do Governo Federal. As redes sociais tornaram-se o palco da disseminação de fake news e, por esse motivo, o trabalho dos historiadores e historiadoras torna-se ainda mais necessário”, pontuou.
Diretor da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás (UFG), o professor Eugênio de Carvalho faz coro à fala da colega e também chama atenção para os perigos decorrentes de certos discursos de negação da história e da ciência, que estão em ascensão no Brasil atual. “Precisamos estar prontamente preparados para denunciar qualquer prática de revisionismo historiográfico pautado em meras vontades, ideologias, esperanças e temores políticos, ou ainda em reiteradas fake news e pós-verdades, disseminadas com o fim de legitimar determinadas narrativas e projetos de futuro”, argumenta.
Ele critica a redução dos investimentos em pesquisa, que tem afetado, de forma geral, todas as áreas acadêmicas nos dois últimos anos. E reivindica o cumprimento efetivo da regulamentação da profissão, que foi sancionada em agosto passado, após a derrubada de veto da Presidência pelo Congresso Nacional.
Dentre as novidades trazidas pela atual legislação, está a garantia de reserva de mercado para os profissionais da área, que foi ampliada para além dos campos da licenciatura e docência. “Os historiadores podem prestar importante contribuição e assessoria para os setores que trabalham com patrimônio e arquivo, por exemplo, mas, infelizmente, a nossa atuação nesse sentido ainda é pouco valorizada em Goiás”, diz Eugênio de Carvalho.
Ele lembra, inclusive, que uma parceria voltada para essa finalidade, de preservação de arquivo, já chegou a ser realizada com a Assembleia Legisaltiva (Alego), em momentos anteriores. O material encontra-se atualmente disponibilizado no acervo geral da UFG e tem servido de referência para vários pesquisadores.
Discussões na Alego
A importância do trabalho legado por historiadores goianos pode ser observada em vários projetos em tramitação nesta Casa de Leis. São contribuições, que aparecem ora de forma direta, ora difusa. Um exemplo é o processo 1532/19, que trata da preservação da memória e da cultura de Goiás a partir da inclusão da Romaria de Nossa Senhora d’Abadia de Muquém no calendário oficial de eventos do estado. A iniciativa foi apresentada pelo deputado Amilton Filho (Solidariedade) e se encontra atualmente em prieira fase de discussão e votação plenária.
A festividade, realizada anualmente entre os dias 5 e 16 de agosto, tem lugar no distrito de São Tomé de Muquém, no município de Niquelândia. “A Romaria de Nossa Senhora d’ Abadia de Muquém é a mais antiga do estado, com mais de 270 anos de história, tradição e devoção. Atrai cerca de 400 mil fiéis, romeiros e visitantes, vindos de diversas localidades de Goiás e do Brasil”, justifica Amilton Filho.
Já o projeto 4761/19, da deputada Lêda Borges (PSDB), visa instituir a “Campanha Estadual Maria da Penha” e por meio dela resgatar a história de luta das mulheres contra a violência, especialmente a doméstica. A parlamentar afirma que o reconhecimento da luta feminina pelo direito à vida e à dignidade é um passo fundamental para o alcance da igualdade entre os gêneros. Segundo ela, essa igualdade só poderá ser alcançada mediante o combate à cultura machista e à lógica patriarcal que historicamente a sustenta.
Também pode ser citada a matéria de número 4477/21, de autoria do deputado Coronel Adailton (Progressistas). Trata-se de iniciativa que visa o reconhecimento da marmelada de Santa Luzia como patrimônio cultural imaterial goiano. Segundo o autor da proposta, a iguaria carrega mais de um século de história e resgata contribuições legadas por mulheres negras escravizadas. Sua origem remonta ao passado colonial e ao declínio da mineração do outro no Arraial de Santa Luzia, atual Luziânia.
“Segundo as histórias passadas de geração em geração, com o declínio da atividade, o proprietário da Fazenda Mesquita, situada na região, abandonou o local, deixando as terras para escravas alforriadas. Nasceu então o Quilombo Mesquita. Ali, essas mulheres formaram suas famílias, mantiveram a cultura negra e passaram adiante suas tradições”, justifica Adailton.
O parlamentar informa que o Quilombo Mesquita está localizado a 50 km de Brasília e pertence atualmente à área rural do município de Cidade Ocidental, que já fez parte de Luziânia. O território abriga mais de 700 famílias e as principais atividades desenvolvidas são a agricultura, a criação de gado e a produção de marmelada. A matéria aguarda agora a votação plenária do parecer favorável dado pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ).
Outra matéria que segue nesta mesma direção é a 5699/20, de autoria do deputado Cláudio Meirelles (PTC). Ela visa incluir a Feira Hippie de Goiânia no rol do patrimônio histórico e cultural do estado. “A Feira Hippie tem sua história iniciada na década de 1960, completando assim 60 anos [em 2020]. Ela começa com alguns hippies expondo suas peças no Parque Mutirama. Em seguida, eles migraram para a Praça Universitária, depois para a Praça Cívica até se fixarem na Praça do Trabalhador [onde está atualmente]. Esse local é, inclusive, um ponto histórico de Goiânia”, relembra o parlamentar.
A Feira Hippie está situada ao lado do Terminal Rodoviário e próximo à antiga Estação Ferroviária de Goiânia. Esta última foi inaugurada em 1950 e funcionou até a década de 1980, recebendo trens de cargas e passageiros da Estrada de Ferro Goyaz. “ [A Feira] proporciona ainda uma viagem pela história da cidade, com a vista para a Maria Fumaça, que foi desativada na década de 1970, e que tem o prédio tombado pelo Governo do Estado desde 1998”, arremata Meirelles.
O movimento acontece aos sábados e domingos e reúne, aproximadamente, sete mil barraquinhas, sendo considerada, por essa razão, a maior feira livre do Brasil e da América Latina. Mais detalhes sobre o assunto podem ser conferidos em matéria publicada neste portal, para a série “É coisa da gente” da Alego. O projeto de Meirelles também aguarda a votação plenária do parecer favorável da CCJ.
Por fim, ainda se podem incluir nesse rol de discussões, o projeto do deputado Henrique Arantes (MDB), que estabelece a obrigatoriedade de inclusão do conteúdo “Os Três Poderes” na ementa da disciplina de História das escolas estaduais goianas (processo 1376/20); e o processo 4646/21 de seu colega correligionário Humberto Aidar. Este último trata da inclusão da Gincana Cultural e Esportiva de Santa Rosa no calendário cívico-cultural do estado de Goiás.
Aidar informa que o movimento vem de 1999 e é considerado a maior gincana municipal da região. “A motivação da gincana consiste na competição por meio de desafios que têm como base temas relacionados à arte, à cultura e à história local e geral. Incentivar a participação da sociedade de forma integral e despertar a cidadania também fazem parte do evento”, salienta.
Ambas as matérias aguardam igualmente a votação plenária do parecer da CCJ, sendo que a primeira recebeu, do colegiado, votos pela rejeição e a segunda, pela aprovação.
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