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Política

Dia da Legalidade

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A Lei n. 12.080, de 29 de outubro de 2009, institui o Dia da Legalidade no calendário oficial brasileiro. A celebração do 25 de agosto ressalta a importância do cumprimento dos ritos do processo democrático e remete a um acontecimento histórico da política brasileira ocorrido há 60 anos: a campanha de mobilização para a garantia da posse do presidente João Goulart (Jango), em 1961. A situação ocorreu em meio a uma grave crise política e por isso é cheia de meandros, que se assemelham a grandes enredos da dramaturgia. Então senta que lá vem história. 

Há 60 anos

Nas eleições de 1960, a legislação era bem diferente. João Goulart se tornou vice de Jânio Quadros mesmo não fazendo parte da mesma coligação. Eleito presidente pela UDN, em com a votação mais expressiva até aquele momento, Jânio assumiu a presidência em 31 de janeiro de 1961, para um mandato de cinco anos. Porém, em 25 de agosto, apenas alguns meses depois, ele renunciou ao cargo, enviando ao Congresso Nacional um bilhete escrito a mão. 

A renúncia sem qualquer aviso prévio causou surpresa inclusive em seus aliados, como mostram arquivos mencionados em matéria recente da Agência Senado: “O senador Lino de Mattos (PSP-SP) quis rasgar o bilhete presidencial, numa tentativa desesperada de impedir que o ato se consumasse. Ele próprio narrou o episódio logo depois: — Tentei obstar a entrega do documento [ao vice-presidente do Senado], pretendendo tomá-lo das mãos do ministro [da Justiça] Oscar Pedroso Horta, até mesmo meio à valentona. Conhecendo o temperamento do presidente Jânio Quadros, eu lhe dizia que aquele documento deveria ser rasgado, inutilizado. Sua Excelência [o ministro Horta] declarou-nos, no entanto, que (…) não adiantava qualquer atitude. O presidente já se demitira do posto e não se encontrava mais em Brasília. Não adiantava mais a destruição do documento”. 

A renúncia de Jânio foi tratada por muitos historiadores como uma manobra autogolpista, ou seja, ele supunha que haveria mobilização popular para impedir sua desistência e que, desse modo, seria reconduzido ao poder. “Há denúncia de que tentaria uma saída autoritária, talvez com o fechamento do Congresso, e que o seu pedido de renúncia fazia parte da articulação”, contextualizam Itami Campos e Arédio Duarte, na pesquisa O Legislativo em Goiás

Contudo, os parlamentares se adiantaram a esses planos e trataram rapidamente de se organizar para a posse de João Goulart, tentando pôr fim à estratégia de Jânio em prol de um regime de exceção. Jânio sabia que Jango não seria bem aceito pelos militares, que temiam uma guinada da esquerda no Brasil, uma vez que o então vice-presidente era ligado a sindicatos trabalhistas. 

Apostando no impacto simbólico da narrativa anticomunista, Jânio tramou para que, justamente no momento de sua renúncia, o vice-presidente estivesse em uma missão oficial na China, que já era um ícone do comunismo. Como previsto por Jânio, as Forças Armadas, na figura de ministros militares, vetaram a posse de Jango, mesmo que sem qualquer amparo constitucional. 

Para combater essa medida que ameaçava a atuação do Congresso e o processo democrático brasileiro, autoridades, como o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, deputados e senadores, chegaram a ameaçar uma guerra civil para que a Constituição Federal fosse respeitada nesse episódio.  Ficou conhecida como Campanha da Legalidade a soma de esforços para pôr fim à intervenção militar que estava impedindo a posse de Jango. Se por um lado, a campanha pressionava os militares com a ameaça de luta armada, por outro, a solução para o impasse era construída com negociações e concessões. 

A manobra mais relevante foi a adoção do regime parlamentarista, que reduziu os poderes do presidente. Assim, os militares cederam e enfim permitiram que João Goulart assumisse o governo. “A experiência parlamentarista – 7 de setembro de 1961 a janeiro de 1963 – coloca o Poder Legislativo com responsabilidade de governo. O Janguismo e prováveis candidatos à Presidência da República sabotaram o Parlamentarismo, provocando o retorno, no plebiscito de janeiro de 1963, ao Presidencialismo. O radicalismo, da direita e da esquerda, provoca a quase destruição dos partidos políticos. O País aprofunda-se em crise política, tendo o Governo contribuído para tal situação”, contextualizam os pesquisadores Campos e Duarte.

Nos dias atuais

O debate sobre a relevância da constitucionalidade das decisões dos governantes continua muito atual na política brasileira. Em pronunciamento recente, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, chegou a apontar a existência de um “hiperpresidencialismo latino-americano”, classificando-o como uma usina de problemas institucionais”. Barroso observa que há uma crise democrática vigente em diversos países. “Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Geórgia, Ucrânia, Filipinas, Nicarágua, Venezuela, El Salvador. Todos eles têm líderes políticos eleitos que desconstroem a democracia”, exemplifica o ministro.

O best-seller “Como as democracias morrem”, dos professores norte-americanos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, embasa esse pensamento. Observando o declínio de democracias e a ascensão de ditaduras ao longo da história mundial, os autores oferecem elementos importantes para compreender que, diferentemente do passado, as democracias atuais não são desfeitas por estrondosos golpes de Estado. Elas morrem mais lentamente, sendo minadas com estratégias que vêm se repetindo ao redor de todo o globo. 

A disseminação sistemática de fake news e a deslegitimação das instituições democráticas são algumas das estratégias elencadas por Levitsky e Ziblatt, que também encontram ressonância nas falas do presidente do TSE. “Nessa estratégia autoritária, criam-se milícias de fanáticos ou mercenários que vivem de disseminar ódio, desinformação e teorias conspiratórias com propósito de enfraquecer instituições, quebra de legalidade e implementação de regimes autoritários”, comenta Barroso. 

Para a deputada Delegada Adriana Accorsi (PT), os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito precisam ser protegidos e garantidos. “Não vamos abrir mão de exercer nossa cidadania, direitos e deveres políticos. A política só vai ser democrática quando ela representar de fato a sociedade brasileira”, destaca a parlamentar.

Também com formação jurídica, o deputado Virmondes Cruvinel (Cidadania) defende que essa data seja um marco para gerar reflexão sobre as vantagens do processo democrático. Ele opina que o dia da legalidade revela a importância da Constituição Federal.  “O respeito ao processo democrático nas eleições e a garantia do devido processo legal nas decisões judiciais são algumas das provas do valor de se respeitar a legalidade em todo o dia a dia dos cidadãos brasileiros e também no mundo”, alerta Virmondes. 

Já o deputado Karlos Cabral (PDT), que é servidor de carreira no Poder Judiciário, enaltece o papel da oposição e da ampla representação de diferentes vertentes ideológicas no parlamento como vantagens exclusivas do processo democrático. “A existência da oposição combate retrocessos e ajuda a delinear a atuação do Governo por meio de ações legislativas, de fiscalização e de cobrança quando necessário. O povo determina essas posições. Reconhecer o papel da oposição é também respeitar a democracia e o próprio povo”, conclui o parlamentar. 

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