Celular em sala desafia dia a dia de professores, dizem pesquisadores
“Alguém tem alguma dúvida?”, “Gostaria de acrescentar algo?”, “Desejam que eu retome algum ponto?”. O silêncio que toma conta da sala após essas perguntas comuns é, muitas vezes, um balde de água fria para o professor.
Ao se virar da lousa para os alunos, o professor percebe que muitos já deixaram os cadernos de lado e estão com os celulares em mãos, desconectados da aula.
Neste Dia dos Professores (15), muitos profissionais poderiam desejar um presente: uma solução para promover uma rotina e interação mais saudáveis com os alunos.
Pesquisadores da educação apontam que o uso de celulares em sala é um dos maiores obstáculos para a melhoria das aulas e alertam que é essencial fornecer condições e capacitação aos docentes para lidar com essa realidade.
Gilberto Lacerda dos Santos, professor do Departamento de Educação da Universidade de Brasília (UnB), afirma que o docente precisa equilibrar o olhar para o passado, garantindo a transmissão de saberes acumulados, com a necessidade de integrar tecnologias recentes de maneira atrativa.
Formação
Lacerda dos Santos acredita que a solução pode estar na formação inicial e na educação continuada oferecida aos professores diante de tantos desafios. Ele defende políticas públicas que garantam esse suporte: “A sala de aula não pode estar desconectada do nosso tempo. Os professores precisam ser valorizados. Eles são o cartão de visitas de uma instituição de ensino, responsáveis por formar cidadãos.”
O professor da UnB é também pesquisador visitante em Paris, no Museu de História Natural da França, onde estuda o desenvolvimento de tecnologias educativas para a formação de professores. Ele observa que os desafios no Brasil são semelhantes aos da Europa no que diz respeito ao uso de tecnologias em sala de aula. “Aqui, a docência é considerada uma carreira de Estado, assim como a dos militares e diplomatas.”
Epidemia
Fábio Campos, pesquisador do Laboratório de Aprendizagens Transformadoras com Tecnologia da Universidade de Columbia (EUA), vê a presença de celulares nas aulas como um grande desafio.
“Estamos vivendo uma verdadeira epidemia do uso do celular na sala de aula. Proibir não é suficiente; precisamos oferecer diretrizes sobre como utilizar esses dispositivos de maneira construtiva”, afirma. Ele lamenta a necessidade de leis de proibição e menciona um movimento global que recomenda o não uso dos aparelhos, especialmente em virtude dos crescentes problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. “É um fracasso social, mas a proibição é necessária.”
Campos destaca a importância de discutir e aprimorar essa questão. “Após a pandemia, todos recorreram às tecnologias digitais para aprender, e mesmo assim, o Brasil não investe em uma política nacional para o uso de tecnologia na educação. Isso é lamentável.”
Riscos
Em agosto deste ano, a pesquisa TIC Educação, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), revelou que seis em cada dez escolas de ensino fundamental e médio implementam regras para o uso de celulares, permitindo seu uso apenas em certos horários e locais. Em 28% das instituições, o uso do dispositivo é totalmente proibido.
Em 2023, a Unesco divulgou o Relatório de Monitoramento Global da Educação, que analisou o papel das tecnologias e os riscos associados à exposição prolongada a telas.